Vou ao Bico pedir benção a Benedicto

Raphael Bózeo
2 min readAug 4, 2015

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O grande Benedicto Lacerda arrumou algo muito especial para fazer depois da sua partida para o plano superior. Em um dos meus sonhos, o encontrei. Estava em frente ao pequeno bar Bico da Coruja, em Macaé, com sua quase centenária e inseparável flauta. Sorriso aberto e um chapéu, no estilo “um pouco de lado”. Calças brancas e uma blusa para dentro, bem surrada, clara.

Era uma tradicional quarta-feira de chorinho no Bico. Lá estava uma formação de craques da música, além de Wallace Agostinho, a grande Coruja do Bico. Logo na frente, Benedicto. Sentado em um pequeno banco de madeira.

Fiquei na dúvida. Ouço as belas canções ou aproveito a oportunidade para conversar com o grande Lacerda. Afinal, somente eu tive esse privilégio de embarcar nessa viagem que misturou o passado e o presente. Sabia que a passagem de volta para o mundo real estava comprada, aconteceria muito brevemente.

Reza a lenda que o menino sentado, olhando para a moça, é Wallace, dono do tradicional bar Bico da Coruja, localizado na cidade de Macaé-RJ

Resolvi observar. A cada nota acertada daquele grupo de chorões, um sorriso do Maestro. A cada tentativa errada, uma palavra de incentivo. Percebi que Benedicto estava feliz. Contente por ver uma invenção durar tanto tempo, afinal, foi um dos primeiros chorões. Voltou ao passado, mas curtiu o presente. Seu grande parceiro, Pixinguinha, não estava ali. Provavelmente protegendo algum outro reduto musical. E o Bico era uma responsabilidade exclusivamente do Benedicto.

Poucos minutos depois, olho para o banquinho e Lacerda não estava lá. O dito cujo caminhava naquela noite rara, passou pela fábrica de gelo e chegou à casa onde morou. Foi matar a saudade. Em outro ponto, leu a placa “Rua Benedicto Lacerda”, recordando a homenagem.

Verificou se estava tudo no lugar correto naquele logradouro. Tomei a liberdade e cheguei próximo. O reverenciei sem pronunciar uma palavra. Voltou ao bar, entrou e sem muito alarde abençoou Wallace. Não ouvi o que disse no pé do ouvido do rabugento dono, mas percebi dois sorrisos de canto de boca. Segundos depois, a toalhinha no ombro enxugou o suor no rosto do mentor (encarnado) daquele cantinho.

Uma das rodas de choro e samba do Bico da Coruja

Benedicto sentou novamente no banquinho. Virou espectador. Aplaudiu. Foi de músico em músico deixar o seu afago. Estava na cara, fã número 1 do Bico. Anjo da guarda. Fiel escudeiro.

O choro estava chegando ao fim e Benedicto não segurou o seu choro. De alegria. De felicidade. De saudade. E então partiu. Caminhou sozinho com a certeza que voltaria para abençoar os chorões.

Acabo de acordar. Foi realmente um sonho. Mas hoje é quarta. Vou ao Bico, pedir benção a Benedicto.

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Raphael Bózeo

Pseudojornalista vidrado por fotografia e com paixonite por cinema. Encantado por cultura afrobrasileira, amo samba sem saber dançar. Vivo mais do sobrevivo.